Defensores destacam economia gerada, enquanto críticos avaliam regras como duras

Três anos após a aprovação da reforma da Previdência, promulgada em 13 de novembro de 2019, as mudanças nas regras para aposentadoria de trabalhadores da iniciativa privada e de servidores públicos federais ainda dividem especialistas.

Se por um lado a reforma obteve resultado econômico maior do que o esperado, por outro, as mudanças de regras levaram a reduções do valor pago a segurados, o que pode trazer impactos sociais para o país no futuro, afirmam especialistas.

O valor médio do benefício caiu de R$ 1.784,79, em 2019, já considerada a inflação, para R$ 1.594,92 em setembro deste ano, último dado disponível.

A principal mudança promovida pela reforma, e apontada como seu grande legado, foi o estabelecimento da idade mínima de 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres) para aposentadoria, eliminando a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição. Defensores da reforma, por sua vez, veem necessidade de novas mudanças.

Críticos, por outro lado, apontam como pontos negativos o corte mais duro na pensão por morte e na aposentadoria por invalidez, a criação de uma idade mínima na aposentadoria especial e a regra de transição “curta” para quem estava próximo de se aposentar quando a reforma entrou em vigor.

A pensão por morte foi o benefício que mais sofreu alterações. Para quem ficou viúvo após a reforma, o cálculo da média salarial agora engloba 100% dos salários —antes, a regra previa 80% dos maiores vencimentos.

Para quem acumula benefícios, há redutores. O INSS paga integralmente o benefício maior e aplica uma tabela de redução sobre o segundo benefício.

Na aposentadoria por incapacidade permanente, antiga aposentadoria por invalidez, o cálculo deixou de corresponder a 100% da média salarial e passou a ser de 60% mais 2% a cada ano extra, com exceção de invalidez por acidente de trabalho.

O benefício especial, concedido a quem trabalha exposto a condições prejudiciais à saúde, também passou a ter idade mínima.

Para Leonardo Rolim, consultor legislativo especialista em Previdência, a reforma teve como foco reduzir as desigualdades do sistema previdenciário brasileiro, objetivo que foi atingido.

“Em qualquer país do mundo faz todo o sentido você subsidiar os mais pobres, e não os mais ricos. Nosso sistema subsidiava aqueles que têm maior renda”, diz.

Estudo feito por ele aponta que o ganho com a reforma ficou bem acima do estimado. Os dados mostram que as mudanças geraram uma economia de R$ 156,1 bilhões desde 2020, quando os efeitos das regras começaram a ser vistos na arrecadação.

Em três anos, a expectativa era de que se economizasse algo em torno de R$ 88 bilhões. Os desafios futuros, no entanto, ainda seguem, consequência do envelhecimento da população. Projeções do Ministério do Trabalho e Previdência mostram que, em dez anos, os gastos com a Previdência vão passar de R$ 14 trilhões.

Para Rolim, ainda há espaço para novas discussões, avançando ainda mais na reforma do sistema previdenciário, com a criação de um sistema de capitalização para trabalhadores do setor privado. “Já tinha [capitalização] no regime próprio e com a reforma cresceu mais.”

VEJA AS PRINCIPAIS MUDANÇAS NA PREVIDÊNCIA

  • Idade mínima
    A idade mínima na aposentadoria é de 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres), válidas para novos segurados; quem já estava no mercado de trabalho tem regras de transição
  • Tempo de contribuição mínimo
    É de 15 anos para homens e mulheres; mas o percentual pago a cada ano extra de contribuição começa a contar a partir do 15º ano para mulheres e a partir do 20º para homens
  • Cálculo do benefício
    A aposentadoria é de 60% sobre a média salarial mais 2% a cada ano que exceder o tempo mínimo
  • Cálculo da média salarial
    Leva em consideração 100% das contribuições pagas pelo segurado; antes, entravam na conta as 80% maiores contribuições, deixando de fora as 20% menores
  • Pensão por morte
    O segurado viúvo recebe 50% do valor da aposentadoria do segurado que morreu ou da aposentadoria por invalidez à qual ele teria direito mais 10% por dependente Um viúvo sem filhos recebe 60%
  • Aposentadoria especial
    O tempo mínimo de contribuição é de 15, 20 ou 25 anos, dependendo do grau de exposição a agentes prejudiciais à saúde Há idade mínima de 66 anos (exposição de 15 anos), 76 anos (exposição de 20 anos) ou 86 anos (exposição de 25 anos) Não é mais possível converter o tempo especial em comum, com bônus
  • Regras de transição
    Ao todo, há cinco regras de transição para quem já estava no mercado de trabalho: pedágio de 50%, pedágio de 100%, pontos, idade mínima e transição para a antiga aposentadoria por idade (válida só para mulheres)
  • Aposentadoria por incapacidade permanente
    A antiga aposentadoria por invalidez passa a ter o mesmo cálculo dos demais benefícios, de 60% da média salarial mais 2% a cada ano extra Ela só é de 100% quando é proveniente de acidente de trabalho
  • Servidores públicos federais
    Para novos servidores, as regras são iguais às do setor privado Quem já estava no setor público tem regras de transição No caso do cálculo do benefício, as normas também são diferentes e dependem do ano de ingresso no setor público: 1998, 2004 ou 2013
  • Professores e trabalhadores rurais
    Para esses segurados, ficou garantida regra mais vantajosa na aposentadoria, com idade mínima menor que a dos demais trabalhadores

Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), afirma que debater a Previdência era necessário, mas acredita que o país pode pagar um custo alto em outras áreas por ter aprovado regras que, em sua avaliação, são duras.

“Na verdade, você tem uma troca: diminui o benefício, mas aumenta a vulnerabilidade, a miserabilidade do país. Recentemente um estudo mostrou que o Brasil é um dos piores países para se aposentar”, diz.

Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), aponta a curta duração das regras de transição para o setor privado e o fim da transição de reforma anterior para os servidores públicos como negativos.

“Era necessário ser feita a reforma, mas houve dureza nas regras de transição, o que causa insegurança jurídica. Há a sensação de que a pessoa nunca vai conseguir se aposentar.”

Os questionamentos acerca da reforma estão no STF (Supremo Tribunal Federal). Hoje, 12 ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) discutem se a emenda constitucional 103 atende às regras da Constituição.

Dentre as ações estão as regras diferentes para o cálculo da aposentadoria de mulheres no regime geral e no regime próprio, as novas alíquotas de contribuição dos servidores, considerada confisco pela categoria, e o cálculo da pensão por morte.

O julgamento dos processos teve início em setembro deste ano, de forma conjunta. Até agora há dois votos, um pela constitucionalidade e outro que vê inconstitucionalidade em alguns pontos.

Renato Fragelli, professor da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV (Fundação Getulio Vargas) Rio, afirma que a reforma deveria ter sido mais profunda, estabelecendo uma idade mínima igual para homens e mulheres.

Agora, no entanto, ele diz que novas mudanças não são prioridade. “O que temos que fazer é uma reforma tributária”, diz.

Em nota, o Ministério do Trabalho e Previdência afirma que a emenda constitucional 103 teve como legado a sustentabilidade no médio e longo prazo. “Nos primeiros anos pós-reforma, já se verifica uma desaceleração do crescimento da despesa do RGPS [que engloba trabalhadores do setor privado] e um aumento na arrecadação do RPPS [válido para servidores federais] da União”, diz o texto.

FILA E ESPERA PARA SE APOSENTAR

A fila de pedidos de aposentadoria no INSS disparou no ano em que a reforma foi aprovada. Em julho de 2019, passou de 2 milhões de solicitações e seguiu em patamar alto nos últimos três anos. A média mensal de segurados na fila ficou acima de 1,5 milhão até outubro deste ano, quando caiu para 976 mil pedidos.

Adriane, do IBDP, diz que essa fila, que é resquício não apenas da reforma, mas também de pandemia, greve de funcionários e falta de servidores, onera os cofres públicos.

“Retardou a aposentadoria? Sim. Mas o INSS demorou cinco meses para adaptar os sistema às novas regras, o que está na conta da reforma. Com isso, pagam-se mais juros, mais correções, e custa mais caro para o Brasil.”

O engenheiro mecânico Celso Aparecido Joao, 62, está na fila. Há três anos, ele aguarda a liberação de sua aposentadoria. O pedido foi feito em maio de 2019, três meses depois do início da tramitação da PEC (proposta de emenda à Constituição) no Congresso.

Joao pediu o benefício aos 59 anos e 9 meses, após 40 anos de trabalho. Esse foi o seu segundo pedido. Em 2017, chegou a ter a aposentadoria liberada, mas o fator previdenciário diminuiu a renda que receberia e ele desistiu.

Com o início dos debates sobre a reforma da Previdência, decidiu se aposentar em 2019, aproveitando a regra de pontuação que dava direito ao benefício integral antes da mudança.

“Eu já tinha o direito, mas ainda esperei alguns meses. Trabalho desde 1979, sem contar o tempo de serviço militar”, diz. O atraso na liberação da aposentadoria se deu porque, em 2019, o INSS não reconheceu um período pago como contribuinte individual.

Como tem o direito adquirido —quando o segurado pode se aposentar com as regras anteriores por já ter atingido os requisitos antes da mudança—, Joao recorreu. Se não comprovasse o tempo de contribuição, teria de entrar nas regras da reforma. Recentemente, teve o pedido aprovado, com direito reconhecido, e aguarda a implantação, que deve sair em breve.

Lilia Regina Guido Policastro, 62, não precisou esperar pela aposentadoria como Joao. Ela pediu o benefício ao INSS em agosto deste ano e já teve a renda liberada, mas levou um susto com o valor. “O direito seria quase R$ 5.000 e estou ganhando R$ 2.400. Eu trabalho desde meus 11 anos de idade.”

O motivo da queda no valor do benefício é que Lilia recebe pensão do INSS há sete anos, quando ficou viúva. Após a reforma, ao acumular aposentadoria e pensão, o segurado tem redução em um dos benefícios.

“Foram três mudanças bastante duras, mas a pensão por morte foi a mais sentida. Tivemos uma pandemia, com dependentes recebendo 60%, 70% do valor do benefício. A gente vai sentir isso ao longo do tempo. As pessoas vão ficar mais vulneráveis, em situação de pobreza ainda maior”, diz Adriane Bramante.

Acometida por um câncer com metástase, a pensionista diz estar preocupada com seus gastos. Embora faça o tratamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde), não tem conseguido os remédios na rede pública. “Compro todos os remédios, e eles são caros. Quando eu consegui que não me cobrassem mais o Imposto de Renda, veio essa ‘surpresa’ com a aposentadoria.”

Fonte: Folha de São Paulo

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