A divulgação de dados médicos aos quais se reserva o sigilo viola o direito à intimidade e vida privada. Ela causa injusto sofrimento e constrangimento a quem tais informações se refere, impondo ao divulgador o dever de indenizar a título de dano moral. A conclusão é do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao manter a condenação da União em razão de soldado do Exército ter a sua condição de portador do vírus HIV exposta em boletim interno. Por ser soropositivo, o militar foi excluído da corporação.

Apesar de ratificar a decisão de mérito de primeiro grau, a 2ª Turma do TRF3 deu parcial provimento à apelação da União. O acórdão unânime acolheu pedido subsidiário da recorrente para reduzir o valor da indenização. Sob a justificativa de ser “montante mais consentâneo (adequado) com os fatos vivenciados pelo autor”, o desembargador federal Carlos Francisco, relator do recurso, diminuiu de R$ 20 mil para R$ 15 mil a quantia a ser paga ao ex-soldado, que tem atualmente 25 anos.

Para o relator, o valor inicialmente fixado foi excessivo, se consideradas como parâmetros as necessidades de compensar a dor sofrida pelo lesado e de repreender o causador do dano moral, desestimulando novas condutas ofensivas. Carlos Francisco acrescentou que esta ponderação deve ser feita para que a indenização não represente enriquecimento sem causa, ao mesmo tempo que não seja insignificante ou demasiada ao infrator.

O objetivo principal da União em sua apelação era não ser condenada. Ela argumentou que o autor não faz jus à indenização por inexistirem provas de ter sofrido com a divulgação de dados sobre a sua soropositividade, posteriormente suprimidos do boletim. A recorrente ainda sustentou que o comunicado é interno, de abrangência apenas dos militares da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea (1ª BdaAAAe) — unidade localizada em Guarujá (SP) e conhecida por Forte dos Andradas.

Segundo um cabo operador do Sistema de Boletins (Sisbol), responsável por elaborar os documentos, o comunicado que revelou ser o soldado portador do vírus HIV foi impresso em várias vias, sendo distribuído para diversos destinos e afixado no quadro de avisos. Depois, o comandante determinou que o boletim fosse refeito com a omissão dos dados clínicos do autor, mas a informação já havia sido divulgada e propagada. Além disso, nem todas as cópias foram recolhidas. Uma delas permaneceu na Guarda do Quartel.

Sindicância da Administração Militar reconheceu o vazamento das informações restritas relativas ao soldado. Porém, concluiu que houve apenas transgressão disciplinar a ser apurada em relação ao cabo. O resultado da apuração interna não influiu na sentença e no acórdão, que prestigiaram a teoria da culpa objetiva. “Obviamente, em se tratando de dano causado pelo Poder Público, aplica-se a responsabilidade objetiva do Estado, com eventual direito de regresso em face do servidor responsável”, observou o relator.

Discriminação

O advogado Geraldo de Souza Sobrinho representa o soldado e requereu em sua petição inicial a reincorporação do cliente ao Exército, além da condenação da União por dano moral. Em abril de 2019, um mês após o militar ser incorporado, a instituição instaurou sindicância para apurar suposta doença preexistente e excluiu de seus quadros o autor da ação após constatar que ele é soropositivo. Em 22 de maio daquele ano foi publicado o Boletim Interno nº 94 divulgando a exclusão por motivo de doença.

De acordo com Sobrinho, a sindicância que decidiu pela exclusão deveria ser anulada por não garantir o contraditório e a ampla defesa ao soldado. Quanto ao mérito, o advogado sustentou que a ausência de relação de causa e efeito entre a enfermidade e a atividade militar não impede o reconhecimento do direito do autor ao tratamento médico, pois seria suficiente a doença ou lesão se manifestar durante o período de prestação de serviço ao Exército.

Quanto ao dano moral, o advogado narrou que a publicação do boletim interno fez o soldado sofrer discriminação por parte de outros militares e até dos familiares dos colegas de quartel. Tal situação foi reconhecida pelo juiz Décio Gabriel Gimenez, da 3ª Vara Federal de Santos, para condenar a União ao pagamento de indenização. Na época do fato, o autor desabafou que, por ser assintomático, cumpria sem qualquer limitação as suas funções, mas o tratamento dispensado pelo Exército o fez se “sentir um lixo”.

Gimenez prolatou a sentença em 17 de dezembro do ano passado e manteve a exclusão do soldado. “Não vislumbro ilegalidade no ato de anulação de incorporação combatido, posto que fundado na constatação de doença preexistente à incorporação, incapacitante para o serviço militar”. Documentos demonstraram que o autor seria portador do vírus HIV desde agosto de 2018, antes de sua incorporação ao Exército, ocorrida em março de 2019. Ele não teria informado a sua situação de saúde no processo seletivo.

Fonte: Wagner Advogados Associados

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