Bloqueio é necessário porque redução da fila do INSS ampliou gastos da Previdência

Duas semanas após editar um decreto para acelerar a liberação de R$ 5,6 bilhões a ministérios e parlamentares aliados, o governo Jair Bolsonaro (PL) está sendo obrigado a reavaliar essa medida e preparar um novo corte no Orçamento de 2022.

A tesourada será divulgada na quinta-feira (22), no relatório de avaliação de receitas e despesas do 4º bimestre. O anúncio ocorrerá a apenas dez dias do primeiro turno das eleições presidenciais, num momento em que o chefe do Executivo já é alvo de desgaste devido ao apagão em diversos programas na proposta de Orçamento de 2023.

Técnicos do governo ainda não chegaram ao valor exato do corte, que segue em discussão no âmbito da JEO (Junta de Execução Orçamentária) —formada pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Ciro Nogueira (Casa Civil). Mas eles já mapearam uma série de despesas obrigatórias cujo crescimento surpreendeu e está pressionando as demais áreas.

Apesar do impasse nos gastos, o governo segue colhendo bons resultados pelo lado da arrecadação. Pela primeira vez o relatório trará uma estimativa oficial de superávit primário nas contas do governo central (que reúne Previdência, Tesouro Nacional e Banco Central).

A projeção deve indicar um resultado positivo de cerca de R$ 13 bilhões —na revisão anterior, a estimativa era de déficit de R$ 59,5 bilhões. O dado indica que as receitas recolhidas pelo governo vão superar os gastos pela primeira vez desde 2013.

Segundo técnicos ouvidos pela Folha, o principal aumento detectado nas despesas vem da conta de benefícios previdenciários. A explicação é a redução da fila de espera do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Se por um lado a redução da fila é um alívio para os segurados, que só recebem os valores após a análise do requerimento de benefício pelo órgão, a queda dos pedidos significa uma fatura adicional para o governo. Até agora, a fila elevada acabava cumprindo um papel de contenção de despesas.

A fila teve seu pico em julho de 2019, com 2,34 milhões de requerimentos em análise, caiu gradualmente com a implementação de um bônus por tarefa extra dos servidores do INSS, mas voltou a subir no início de 2021 com a suspensão dessa gratificação.

Desde então, o estoque de requerimentos ficou estável num patamar entre 1,7 milhão e 1,8 milhão de pedidos até o fim de abril deste ano, quando o bônus foi recriado. A fila voltou a cair em maio e chegou a 1,46 milhão em julho, dado mais recente divulgado pelo governo.

Internamente, porém, o balanço dos técnicos mostra uma redução significativa desse estoque de pedidos para cerca de 1,1 milhão no fim de agosto.

Outras despesas obrigatórias também cresceram, como BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência, e seguro-desemprego.

Técnicos do governo estão debruçados sobre esses números para verificar se recursos foram poupados em outras áreas para amenizar o tamanho do esforço. O novo bloqueio é necessário por causa do teto de gastos, regra fiscal que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.

Ainda que os principais candidatos à Presidência manifestem a intenção de mudar o formato do teto de gastos, ele ainda está em vigor e precisa ser cumprido pelo governo nas revisões do Orçamento —daí a necessidade do corte.

A expectativa dentro do governo, porém, é que “nem toda” a liberação feita há duas semanas seja perdida com a publicação do relatório —se isso se concretizar, o corte seria inferior aos R$ 5,6 bilhões.

Como mostrou a Folha, Bolsonaro editou um decreto que permitiu acelerar a liberação de emendas de relator, usadas como moeda de troca nas negociações com o Congresso Nacional, a menos de um mês das eleições.

O decreto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União na noite de 6 de setembro, véspera do feriado de Bicentenário da Independência.

Dos R$ 5,6 bilhões liberados, R$ 3,5 bilhões foram destinados à indicação dos parlamentares, num contexto em que o bloqueio das emendas vinha gerando insatisfação na cúpula do Congresso. O valor restante foi usado para aliviar a compressão sobre despesas discricionárias dos ministérios, que incluem custeio e investimentos.

Em meio ao vaivém na situação do Orçamento, técnicos não descartam a possibilidade de as emendas sofrerem novo bloqueio, embora avançar nesse sentido tenha o custo político de contrariar aliados que contam com essa verba para irrigar seus redutos eleitorais.

Essa instabilidade existe porque um decreto permitiu ao governo incorporar à execução orçamentária, de forma antecipada, os efeitos fiscais de medidas legais adotadas pelo governo, antes mesmo da elaboração de um novo relatório de avaliação do Orçamento.

Na prática, o Executivo conseguiu remanejar com agilidade o espaço fiscal criado após a manobra de Bolsonaro para cortar verba da ciência e cultura para desbloquear o Orçamento, movimento revelado pela Folha.

Em 29 de agosto, o presidente editou duas MPs (medidas provisórias), uma delas para limitar a R$ 5,6 bilhões os gastos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2022.

Outra MP adiou os repasses das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de auxílio à cultura em estados e municípios, e do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), aprovados pelo Congresso como resposta à crise causada pela pandemia de Covid-19 nesses setores.

Sem o decreto, as regras orçamentárias obrigavam o governo a aguardar a elaboração deste relatório que será divulgado em 22 de setembro.

Fonte: Folha de São Paulo

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