Ao endossar o novo pente-fino, Bolsonaro deixou transparecer que ele inicie neste segundo semestre
Criado em 2016, o Programa de Revisão dos Benefícios por Incapacidade, popularmente conhecido como “operação pente-fino”, tem o objetivo de fazer perícias médicas para localizar benefício irregular, embora a revisão feita em escala termine atingindo indevidamente a renda de muitos que estão no seu direito.
Tradicionalmente, o programa se limitava ao auxílio-doença e à aposentadoria por invalidez. Os titulares do auxílio-acidente – benefício pago em razão de sequelas definitivas herdadas por eventos acidentários – eram poupados. O sossego deles pode estar com os dias contados.
m regime de urgência, a Medida Provisória n. 1113/2022, assinada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e ratificada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), passou feito um foguete no Congresso Nacional para ser convertida em lei. Em dois dias, o texto foi discutido nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado, aprovado e depende agora da sanção presidencial, o que não deve demorar.
Ao endossar o novo pente-fino, Bolsonaro deixou transparecer que ele inicie nesse segundo semestre de 2022. Inclusive, mesmo sem saber qual será a realidade enfrentada pelos médicos do INSS e o quantitativo de irregularidades nas perícias do auxílio-acidente, o governo já lançou um palpite despretensioso: “que a revisão do auxílio-acidente produzirá redução na despesa de R$ 416,6 milhões em 2022”.
Nos cinco meses que restam para acabar este ano, a meta de corte corresponde a R$ 83 milhões por mês. Espera-se que os médicos do INSS não saibam dessa informação e executem suas atividades com independência, sem vinculação a essa meta financeira – desprovida de parâmetro empírico – sugerida pelo governo.
Em sua justificativa, a Medida Provisória 1113/2022 traz previsões de economia de despesa arrojadas para o próximo biênio. Embora o texto esteja com erros de português e redação confusa em relação à cifra, quando se refere que o corte do auxílio-acidente ocasionará redução de despesa de “R$ 1.790,3 milhões em 2023 e R$ 1.855,8 milhões em 2024”, ao que tudo indica a meta financeira para os anos de 2023 e 2024 seria o de gerar economia na casa dos bilhões, ao invés dos milhões redigido. Se for tomar como referência o ano de 2022, somente em poucos meses desse ano o governo quer reduzir despesa para quase meio bilhão.
É muita expectativa do governo em querer economizar, mesmo quando o universo de auxílio-acidente no país é ínfimo. É um dos benefícios com menor demanda no INSS e, portanto, não onera tanto a folha de pagamento. Isso significa que, para alcançar a meta fiscal, a taxa de cortes deverá ser potencialmente mais elevada, casos os peritos sejam influenciados pela ambição do governo em conseguir a economia traçada.
Além dessa meta fiscal, outro ponto intrigante é fazer o pente-fino em auxílio-acidente, que é indenizatório e tem um caráter de vitaliciedade. Ele costumava ser cessado apenas nos casos de morte ou de aposentadoria. O corte via perícia médica era algo impensável, inabitual. O ajuste na legislação vai cair como uma bomba para pessoas que precisarão se submeter ao estresse e a incerteza das revisões periciais, principalmente quando o governo declina uma expectativa alta de economia com os benefícios cortados.
Essa novidade, portanto, poderá desestabilizar o emocional e o planejamento financeiro de muita gente que não esperava por isso (ou a partir de agora tem a ameaça concreta da cessação do pagamento, que até então era praticamente vitalício). Ante a iminência da conversão da medida provisória em lei, aos titulares de auxílio-acidente é importante amealhar antecipadamente laudos médicos mostrando que a sequela persiste e continua definitiva. Com a publicação da lei no diário oficial, as cartinhas de convocação dessa nova versão do pente-fino podem chegar a qualquer momento.
Por fim, chama a atenção que o governo foi infeliz em expressar que os cortes no auxílio-acidente iriam ajudar a pagar a conta dos benefícios de prestação continuadas. Na justificativa da MP, constou que “essa economia deverá ser direcionada como medida de compensação para o aumento na despesa com o BPC decorrente da ampliação do limite de renda familiar per capita sujeita a escalas graduais”.
Ora, apesar de estarmos em ano eleitoral, é possível o governo querer aumentar as despesas do assistencialismo, a exemplo do benefício de prestação continuada (por idade ou deficiência). Mas é completamente absurdo explicar que a conta será paga em função do corte proporcionado de benefício previdenciário, justamente por terem fonte de custeio distintas. Embora o INSS administre as concessões e as revisões de benefícios previdenciário e assistencial, eles não se confundem. São totalmente diferentes.
Os benefícios previdenciários exigem prévio pagamento do segurado, para que este possa receber algo no futuro, se for o caso. Já os benefícios assistenciais são patrocinados e de responsabilidade do governo federal, mesmo quando o beneficiário nunca tenha contribuído com nada ao INSS. As contribuições previdenciárias financiam a Previdência Social, mas não foram criadas para pagar despesa da Assistência Social. Logo, ainda que se gere economia com cortes de auxílio-acidente, esse dinheiro não deveria ser usado para bancar despesas com Assistência Social.
Como se não bastasse a ameaça da chegada de uma operação pente-fino inquietante, é desalentador saber que a medida está sendo tomada com o propósito de reduzir despesa na Previdência Social para se gastar na Assistência Social. É do governo a responsabilidade das despesas envolvendo benefício assistencial. Essa conta não era para ser rateada com o segurado, que pagou previamente para ter direito ao benefício previdenciário, no caso em questão o auxílio-acidente.
Fonte: Folha de São Paulo