O texto aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados para a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, sob a justificativa de abrir espaço no orçamento público para o programa Auxílio Brasil, poderá acarretar em problemas de médio e longo prazo nas contas públicas. Além de prejudicar pessoas e empresas aguardando o recebimento dos precatórios, a mudança proposta pode resultar no seu acúmulo, conforme alerta o economista William Bagdhassarian, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais.

Precatórios são os valores devidos a um cidadão, empresa ou pessoa jurídica de direito público quando este vence um processo judicial contra a União. O processo pode ser de diversas naturezas, resultando em valores que podem variar desde pequenas causas, geralmente para ressarcimento de pessoas físicas que não tiveram seus direitos respeitados, a causas milionárias, geralmente após a União perder um processo contra pessoa jurídica.

O valor devido pela União em precatórios atualmente configura parte do orçamento enquadrado no teto de gastos, passando a concorrer com demais gastos discricionários. Isso inclui a concorrência com o orçamento previsto para o estabelecimento do Auxílio Brasil, programa social que o governo planeja implantar em substituição ao Bolsa Família e fornecerá valor reajustado. Para o Ministério da Economia, a implantação do programa requer a diminuição dos gastos com precatórios.

A proposta original era de parcelar em até 10 vezes os chamados grandes precatórios: aqueles cujo valor supera R$ 66milhões, e que hoje representam cerca de 2,6% da receita corrente líquida da União. “Era uma proposta ruim, mas ao menos o credor sabia que ia receber. Mas o que saiu do congresso foi diferente. Eles fizeram um subteto: até certo valor, o governo paga. A partir desse valor, o governo pedala, ele joga para frente”, conta William Bagdhassarian.

A bola de neve dos precatórios

Apesar de garantir uma folga no teto de gastos nos primeiros momentos após a sua implementação, Bagdhassarian alerta que, em médio e longo prazo, a PEC dos Precatórios pode resultar em um efeito ‘bola de neve’, em que os precatórios que não foram pagos em determinado ano se acumulam com os novos precatórios que surgem no ano seguinte.

“Esse ano já vamos jogar R$40bilhões, R$50bilhões para o ano que vem. A partir do ano que vem e do próximo, você vai criar uma bola de neve. Como o governo não consegue pagar tudo, ele começa a jogar para frente. Nisso, se perde toda a previsibilidade em receber esses precatórios”, explica o economista.

A PEC propõe alguns meios para mitigar esse efeito, como abrindo a possibilidade da União negociar com o credor o pagamento na forma de ações de estatais ou em descontos em impostos. Bagdhassarian considera as propostas insuficientes, tendo em vista que é pouco provável que os credores aceitem receber dessa forma.

Impacto no Auxílio Brasil

William Bagdhassarian considera que, ao contrário da narrativa adotada pela base governista, a PEC não é o único caminho para que se consiga implementar o Auxílio Brasil. “A gente já gasta um pouco hoje com o Bolsa Família. Só o que vai mudar é um aumento nessa margem”, pondera. O professor de economia acrescenta que a dificuldade não está relacionada à situação fiscal do país (que apresentou melhora nos últimos meses), mas sim em conseguir encaixar o programa dentro do teto de gastos.

“Em relação ao Auxílio Brasil, não vai faltar dinheiro. O que a PEC faz é apenas abrir espaço no teto de gastos, não é uma questão de ter ou não dinheiro para isso. (…) Fato é que, ao invés de procurar reduzir outras despesas ou repensar certos benefícios fiscais, o governo preferiu mudar a regra do precatório. Isso não vai resolver em definitivo a situação, além de ficar claro o interesse eleitoral”, explica.

Imagem no mercado

Bagdhassarian alerta que o desequilíbrio nas contas públicas e o risco para credores de precatórios também pode comprometer a imagem do país diante do mercado. “Em vez de passar a imagem de que o país está com a economia mais ou menos estável, se passa a de que o governo quer roubar o jogo. É como se mudasse a regra do jogo de uma forma casuística para poder cumprir o que quer”, compara.

Com isso, aumenta o Risco Brasil, índice que avalia a performance dos títulos de crédito emitidos no país. “Já notamos isso na Bovespa. Enquanto os índices internacionais sobem, o da Bovespa está caindo, exatamente por esse risco tanto político quanto macroeconômico”, destaca.

O valor do real em comparação ao dólar também pode ser afetado com a insegurança no pagamento de precatórios. “A própria discussão já está influenciando. Parte dos fatores que levam a alta do dólar são questões internacionais, mas outra parte vem de fatores domésticos. (…) A saída de dólares no Brasil está em um momento atípico exatamente por conta da insegurança política”, explica.

Fonte: Wagner Advogados Associados

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