Simulações do órgão para nova regra fiscal consideram retirada dessas despesas já a partir de 2024

Um ano após o governo Jair Bolsonaro (PL) propor adiar o pagamento de precatórios da União para abrir espaço no Orçamento em ano eleitoral, o Tesouro Nacional defende a exclusão dessas dívidas judiciais do limite a ser imposto pelo novo teto de gastos em discussão no órgão.

A percepção do Tesouro é que restringir o volume anual de pagamento de dívidas judiciais gera acúmulo de passivos pelo adiamento das obrigações do governo. Por isso, o órgão entende ser melhor assegurar a quitação integral dos precatórios, fora do teto de gastos —e, em paralelo, haveria a adoção de medidas para monitorar e controlar essas despesas.

A proposta tem potencial para reabrir a polêmica em torno do tema. Defendida pela ala política e pelo ministro Paulo Guedes (Economia), a mudança nas regras dos precatórios foi tachada de calote por especialistas, que alertaram para o risco de uma bola de neve formada por essas dívidas.

A União deve encerrar o ano com R$ 22,3 bilhões em precatórios não pagos, conta que alcançaria R$ 51,2 bilhões no fim de 2023, segundo estimativas do próprio governo.

Os precatórios são dívidas da União após sentença definitiva na Justiça. Os valores devidos são incontroversos, ou seja, ao governo federal cabe apenas pagá-los conforme determinado pela Justiça.

O governo criou no ano passado uma trava para o pagamento desses débitos após detectar um “meteoro”, como classificou Guedes, no valor de R$ 89 bilhões a ser incluído na proposta de Orçamento de 2022.

O aumento súbito desses gastos acabaria ocupando o espaço orçamentário enquanto Bolsonaro planejava conceder benefícios sociais em ano eleitoral.

Para evitar a frustração dos planos do presidente, a solução foi propor uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que fixou um subteto para o pagamento de dívidas judiciais —que ganhou internamente o apelido de “tetinho”. O mecanismo limita o pagamento de precatórios ao valor pago em 2016 corrigido pela inflação, sendo o excedente passado para as contas do ano seguinte (e assim sucessivamente até 2026).

A aposta do governo para evitar uma bola de neve com os precatórios é o chamado encontro de contas, pelo qual os credores da União podem usar os precatórios como uma espécie de moeda de troca para abater dívidas tributárias ou fazer lances em leilões de concessão ou privatização.

No entanto, o mecanismo ainda não foi totalmente regulamentado pelo governo. Apenas um encontro de contas foi realizado até agora, entre União e Prefeitura de São Paulo. Os dois encerraram a disputa judicial em torno do Campo de Marte, que resultaria em uma indenização a ser paga pelo governo federal, em troca da extinção da dívida municipal.

A mudança para os precatórios é discutida no Tesouro Nacional em meio ao redesenho do teto de gastos. Como antecipou a Folha, o órgão prepara um mecanismo que autoriza o crescimento real das despesas conforme o nível e a trajetória da dívida pública, a uma taxa a ser definida a cada dois anos. A regra também concede um bônus anual de ampliação dos gastos em caso de melhora do superávit nas contas públicas.

Pelo desenho do Tesouro, a nova regra entraria em vigor em 2024. Segundo informações colhidas pela Folha, as simulações internas do órgão sobre o funcionamento do novo teto já consideram a exclusão dos precatórios a partir do mesmo ano.

Uma das principais preocupações dos técnicos ao propor a retirada dos precatórios do novo teto de gastos é que essas despesas não apresentam nenhuma tendência clara, que permita uma projeção com qualidade e fundamento.

Entre 2021 e 2022, a previsão de despesas teve um salto de 60,8%. Já na passagem de 2022 para 2023, a alta foi de apenas 2% (comparando valores brutos, antes da aplicação dos limites).

Se esses gastos fossem incluídos no novo teto, suas oscilações provocariam enorme incerteza sobre o espaço disponível para as demais políticas públicas. Já no formato atual, o risco é a formação de um passivo bilionário de dívidas.

O Tesouro considera que a PEC dos Precatórios foi importante para chamar atenção ao problema do aumento das sentenças judiciais contra a União. No entanto, o órgão entende agora ser melhor retirá-la do alcance do teto.

Nas discussões internas, há o entendimento de que a mudança na regra dos precatórios precisaria vir acompanhada de iniciativas de monitoramento e transparência, bem como da execução de ações voltadas à redução dessas despesas.

Nos últimos anos, o teto de gastos passou por sucessivas alterações para acomodar gastos extras com benefícios sociais. A iniciativa mais recente ocorreu às vésperas da campanha eleitoral, para instaurar um “estado de emergência” e abrir caminho ao Auxílio Brasil turbinado de R$ 600 e benefícios a caminhoneiros e taxistas, grupos que integram a base de apoio de Bolsonaro.

Sem os mesmos subterfúgios, o Orçamento de 2023 foi enviado ao Congresso Nacional sem recursos para assegurar a continuidade do Auxílio Brasil de R$ 600 e com um amplo corte em áreas sociais. Para evitar um apagão, economistas que assessoram os principais candidatos à Presidência da República têm defendido mudanças no teto.

A proposta do Tesouro vem sendo desenvolvida pelos técnicos como forma de contribuir para essa discussão. Por ser um órgão de Estado, há um cuidado nos bastidores para evitar que a proposta seja contaminada por divergências eleitorais. Mas a postura é de colaboração diante de eventual demonstração de interesse de interlocutores do futuro presidente eleito.

Fonte: Wagner Advogados Associados

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